Cecílio Elias Neto
Dara: Então pra gente oficialmente começar, gostaria que o senhor me falasse seu nome completo
Cecílio: Eu me chamo Cecílio Elias Neto. Sou nascido em Piracicaba, há setenta e… Não! Que isso. Há oitenta e quatro, quase oitenta e quatro anos e piracicabano da gema.
Dara: E o que te fez dedicar tanto tempo, assim, e trabalho ao cinema de Piracicaba, a história né?
Cecílio: Eu sou apaixonado por cinema eu acho que desde 5, 6 anos de idade. Porque eu morava, Piracicaba tinha só dois cinemas, que era o Broadway, na rua São José, em direção, com vista para a câmara até hoje. E o São José que era próximo, Teatro Cine, Teatro São José, que era próximo à Rua Governador, na mesma São José. Interessante que Broadway, ele era considerado da elite piracicabana, e o São José era do “povão”. E eu morava na frente de um e depois de outro. Eu me apaixonei por cinema muito cedo, muito cedo. Eu me lembro por exemplo que eu ia, não sei, meu pai passou uma fase muito ruim, muito triste, e nós ficamos muito pobrezinhos, e eu não sei como eu ia no cinema. Mas eu me lembro até hoje de um seriado que eu assistia, tinha um seriado que chamava “Nyoka, a rainha da selva”, que a Nyoka era tipo o Tarzan feminino, e tinha o Tarzan, o Johnny Weissmuller. E eu era apaixonado por aquilo, eu subia em árvore pra imitar o Tarzan, imitar a Nyoka, caía de árvore, quebrava o nariz, sabe? Me apaixonei por cinema desde muito cedo, sabe? Então comecei a frequentar cinema. Hoje, eu por exemplo, agora com TV e internet, hoje eu não durmo sem assistir pelo menos um filme ou um seriado, não tem jeito, não tem, jeito, então até hoje.
Dara: E o senhor viveu muito na época do cinema de rua, né? E o que o senhor acha que os cinemas de Shopping tem, que os de rua não tinha?
Cecílio: Olha, os de shopping o que tem é a segurança, hoje, nos cinemas atuais, mais segurança. Porque realmente se for analisar bem, o povo não tá mais saindo a noite pras ruas, então o problema é de segurança, de violência. Então os cinemas foram, não só o de Piracicaba, de outros lugares também, eles foram migrando para os Shoppings, por quê? Porque ali tinha um público permanente e também tinha segurança, isso aconteceu em Piracicaba. E nos anos de cinquenta e quatro, mil novecentos e cinquenta e quatro, o senhor Francisco Andia, ele transformou, revolucionou o cinema de Piracicaba. Ele começou inaugurando o famosíssimo Cine Palácio, O Palácio é ali na Rua Benjamin, hoje parece que tem uma coisa evangélica, alguma coisa assim. A Benjamin, cortando a Rua Quinze, é a Rua Benjamin. Eu me lembro que o primeiro filme que assisti lá, o primeiro filme, eu tava começando a namorar, eu tinha quatorze anos, eu tava começando a namorar aquela que se tornou a mãe dos meus filhos. E nós fomos, o primeiro filme que a gente foi assistir junto chamava-se “Violetas Imperiais”, nossa, ficou nossa música. Então tinha uma ligação muito, acabei tendo uma ligação muito forte com o Cine Palácio também. Então tinha o Cine Palácio, lá mesmo na outra rua tinha o Cine Colonial, depois veio o Cine Politeama, veio o Cine Paulistinha, certo, então era muito cinema. O…(4:50) não me lembro bem, que caiu quando caiu o Prédio Comurba, aí nasceu o cinema mais, o maior e mais belo cinema do interior de São Paulo, que foi criado por Zico e pelo Chico
Dara: E tem tantas histórias, né?, tantos cinemas de rua, né?, como Piracicaba teve cinemas de rua! Comparado até a algumas capitais, Piracicaba teve muito. O que então, agora inverteria a pergunta, o que os cinemas de rua tinham que os de Shopping não tem?
Cecílio: Ah, tinha tudo né! Veja por exemplo, os cinemas ficavam na parte central de Piracicaba, então o pessoal ficava nos jardins né, aquela história toda. Saída do cinema, a sessão, a última sessão, que teve lá por volta das dez horas, era um espetáculo de moda. Então, o povo ficava no jardim, quadrado o jardim, que era como se falava antigamente, fazer os círculos, e em frente ao Cine Politeama, do Cine Broadway, esperando a saída do cinema. E elas faziam, as moças faziam, passando ida e volta em frente daquela rua, daquela calçada, e os moços ficavam olhando, parecia gado né, é como se tivesse que escolher (risos). Mas então é elas que sabiam, e todas colocavam né, se embelezavam. Então a saída do cinema era outro espetáculo, então isso na rua. E outra coisa, eram outros tempos, tinham menos meios e métodos de distração e divertimento né, então cinema era. P’ra você ter uma ideia, a gente tinha roupa de ir ao cinema, eu me lembro, tinha um paletózinho, um terninho, pra ir ao cinema. E tinha a célebre “matinê”, então tinha uma sessão às dez horas da manhã aos domingo, e depois a tarde, a ”domingueira” a tarde, era a grande diversão, Namorar no cinema, no escurinho do cinema, sabe, aquilo tudo era, nossa. Tinha o lanterninha né, o lanterninha ele ficava procurando os casaizinhos que ficavam se beijando, se agarrando ali ,né, aí ele “ptchiu”, ‘cê via a lanterna ‘cê morria de vergonha.
Dara: E qual desses hábitos então, porque eram muitos hábitos né de cinema de rua, toda uma cultura, muitos hábitos. Quais desses hábitos assim, você acha que mais te marcou assim, de alguma forma?
Cecílio: Olha, cinema pra mim, me marca sempre, me marcou sempre, sabe. Então as grandes recordações, a primeira vez que pegou na mão da namorada, porque antigamente tinha prazo, né, pra pegar na mão da namorada, era uma mês né, hoje não, hoje é “Oi, não sei seu nome, mas vamos pra um motel!” (risos). E então tem… as músicas dos filmes marcavam profundamente as pessoas, né.
Dara: E o que você sentiu, então, dessa mudança, porque você vivenciou, né, essa mudança dos cinemas de rua para os de shopping. O que você sentiu assim nessa época? Depois que começaram a fechar os cinemas de rua e agora começou a ir para os Shoppings.
Cecílio: Eu, de certa maneira, eu lamentei, né, fiquei triste. Mas é a mudança dos tempos, não tem jeito, não tem jeito. Eu lamento sempre que se desprezem certas questões culturais de uma época, né. Porque, veja bem, o que, na minha opinião, e a história diz isso, o que existe de verdade é o passado, porque o futuro não existe, né, é uma possibilidade, uma perspectiva, e o presente tá acontecendo, quando ‘cê for dormir hoje, terminou seu dia presente, né. Então o que você sabe é o que aconteceu até aquela hora que você vai dormir, e seu passado, é por isso que ele permanece, certo. Então muitas coisas desse passado todo foram ? (9:33), não que, veja bem. A transformação é necessária, a transformação é importante, mas você não pode perder a raíz. Pega uma árvore, por exemplo, a árvore pode dar frutos, folhas, flores, né, por quê? Porque ela tem uma raíz, se a raíz morrer, morre tudo ali. Dara: Também acho, perde a essência, né?
Cecílio: Perde a essência. Então, eu… inclusive eu acho isso muito otimista, eu acho que… Existe uma frase filosófica, que chama-se “O eterno restou”. Tudo que valeu, tudo que for bom, tudo que é importante, vai e retorna. Nós estamos tendo alguns retornos, se você perceber, começa reunião de amigos que estavam todos dispersos, reunião de família, tá voltando, tudo dentro de casa, não é? Essa história de, até mesmo na moda, a moda vem e volta, vem e volta, ela retorna, né? E eu percebo, inclusive, que tá voltando o que eu chamo de “cibilidade”, quer dizer, as pessoas começam de novo a se cumprimentarem, parece que o pessoal tem medo, não confia no outro mais, não confia no outro, tá bem no início.
Dara: Verdade, viu, concordo. Então falando um pouco mais sobre os cinemas em si, eu vou repassar alguns, você chegou a frequentar o Cine Arte?
Cecílio: Já sim, sim, ali onde era o Cine Palácio, no fundo dele. Ali era o Cine Arte, e eu não sei se hoje funciona o Cine Arte, acho que não tem mais.
Dara: Ele fechou.
Cecílio: Fechou, né.
Dara: Ele fechou nos anos noventa, teve uma enchente.
Cecílio: Então, o problema ali do (Cine) Palácio, que era o grande cinema de Piracicaba, eram as enchentes do (córrego) Itapeva, da avenida. Então enchia tudo, bloqueava toda a avenida, e o Cine Arte estava voltado justamente naquela avenida, então essa enchente foi… E também tinha, na verdade era um público muito especial, né, do Cine Arte.
Dara: E você frequentava algum, alguma coisa te marcou desses cinemas?
Cecílio: Olha, eu não, eu me lembro de alguma coisa do Bergman, entende, lá, né. Agora, se falar pra mim quais filmes, eu não vou me lembrar. Mas teve coisas marcantes, o estilo do Bergman, né, filosofia da vida, era muito marcante. Inclusive tinha artistas suecos que eram muito importantes na época.
Dara: Que legal. E o Cine Tiffany, que era o Broadway e virou Tiffany, você chegou a frequentar?
Cecílio: Sim. Então, o Broadway era aquele que eu morava em frente dele quando criança, até hoje tem o prédio dele lá.
Dara: A fachada, né.
Cecílio: A fachada, até hoje.
Dara: É que o Broadway, assim, que foi muito importante na sua infância, além dessas memórias da sua infância, tem mais alguma coisa que você lembra do Broadway que te marcou, ou quando era Tiffany também, te marcou muito alguma história envolvendo esse cinema?
Cecílio: Tem. Do Broadway tem uma coisa, pra mim que é, me marca, quando lembro, me marcou até hoje. Eu morava em frente, né, tava falando pra você isso. Em quarenta e cinco, soltaram a bomba atômica em Hiroshima, então o mundo ficou surpreso com aquilo, e ficou todo mundo meio amedrontado. Três dias depois, eles iam soltar a bomba atômica em Nagasaki, e eu me recordo que a minha casa era muito politizada, sabe, meus pais, parentes, então sabiam muito de política, discutiam, internacional, e eu ficava ouvindo tudo aquilo. E havia o medo, continuava o medo, porque o desastre da bomba atômica, a primeira, em Hiroshima, foi terrível, e a bomba atômica em Nagasaki, que viria a segunda, três dias depois, falava “Agora vai terminar o mundo, agora vai acabar o mundo”, e eu tava a tardezinha na rua da minha casa, e eu via a fila pra ir no Cine Broadway, entende?, ‘pra assistir algum filme lá, não sei que filme que era. Eu tava desesperado, falei “Mas como? O mundo vai acabar e eles vão ficar dentro do cinema, entrar dentro do cinema!”. Essa lembrança nunca mais saiu da minha cabeça.
Dara: Imagina, né. O mundo acabando, e ‘cê tá vendo um filme, acho que é um bom fim às vezes (risos).
Cecílio: É (risos).
Dara: E o… ‘cê falou muito do Cine Palácio, né, também você tem muitas memórias, assim, que depois virou Cine Vivo ali né. Tem alguma outra assim que você lembra que também envolve assim…
Cecílio: O Cine Palácio?
Dara: É. Mais alguma curiosidade, alguma coisa…
Cecílio: Ah, sempre ligado a namorada, né (risos), e filmes, por exemplo, eu me lembro que foi o filme que era, todo mundo queria assistir, ver aquele filme, foi “E o vento levou”, famoso “E o vento levou”, né. E nós fomos assistir. Se não me engano, eram três horas e meia aquele filme, e a minha futura sogra ela foi comigo e com minha namorada, né, eu falei “Ô raio, o que que ela veio fazer aqui”, né. E o cinema tinha intervalo, no “E o vento levou”, porque o filme era muito longo, isso me lembro muito bem também, né. Mas eu me lembro de, nossa, eu era apaixonado pelo Tarzan, pelo Zorro, né. Eu tenho filmes de faroeste, né, Tom Mix, John Wayne…
Dara: Que legal…
Cecílio: Elizabeth Taylor. Puxa! Até eu me apaixonei por Ava Gardner, me apaixonei por ela, devia ter uns dez anos de idade. A capa do meu livro tinha Ava Gardner. ‘Cê lembra dela? ‘Cê sabe quem ela foi ou não?
Dara: Sim.
Cecílio: Ava Gardner foi chamada por um grande escritor da época, não vou lembrar o nome, “o mais belo animal do mundo”. Ela era linda, linda de morrer, eu me apaixonei por ela, e ela se casou com o Frank Sinatra. Eu peguei um ódio do Frank Sinatra (risos).
Dara: (risos) Que coisa, nossa. E indo pro Cine Plaza, né, que acabou, mas ‘cê chegou a frequentar?
Cecílio: Ah sim. Não vou me lembrar o filme, mas foi um filme muito famoso na inauguração do Plaza.
Dara: Você chegou a só frequentar a inauguração, ou você chegou a…
Cecílio: Reinauguração.
Dara: E onde você tava quando caiu o Comurba?
Cecílio: Quando caiu o Comurba, eu naquele momento morava no apartamento, o Comurba acho que caiu em sessenta e quatro, não, não foi não, sessenta e cinco acho que foi.
Dara: Eu tenho uma colinha aqui viu. Foi em sessenta e quatro.
Cecílio: Ah, minha memória tá boa, o velhinho aqui tá bom ainda né. E eu era recém-casado e nós morávamos num apartamento ali na rua, subida a Rua Moraes Barros, então ficava, o quê? A uns cinco, seis quarteirões do Cine Plaza, e o Cine Plaza ficava ali em frente ao jardim. E eu me recordo que eu ficava depois do almoço, sem filhos ainda, e eu sentei e comecei a ler o jornal, e tinha uma sacada na minha casa, no meu apartamento, que dava pra cidade. De repente eu ouvi aqui “Bum!”, falei “Ué, que que houve?”. Comecei a sondar e começou uma confusão na rua, e eu levantei e pela na sacada, na hora que eu fui na sacada veio uma nuvem de poeira, assim, subindo, né. Então, era o Comurba que tinha caído. Então daí eu fui pra lá, mas não vi a queda, mas eu via…
Dara: Toda repercussão, né, que coisa.
Cecílio: E eu já era jornalista, já tinha jornal, né.
Dara: Que loucura, né. E o Cine Paulistinha, o senhor chegou a frequentar?
Cecílio: O Paulistinha era muito distante. Eu devo ter ido uma ou duas vezes, conforme o filme, né, mas ele era cinema de bairro, muito distante, lá no alto da Paulista né. E ele não teve vida muito longa.
Dara: É, ele não durou muito tempo né.
Cecílio: Porque um cinema de bairro, que era um bairro de pessoas com pouco recursos, então não eram muito habituadas a ir pro cinema.
Dara: E o senhor sabe de algum incentivo que alguém teve pra fazer o Paulistinha ali? Porque gastava um (20:25), tem um núcleo da sala de cinema, e o Paulistinha… Cecílio: Mas acho que é do (20:28) também, o Paulistinha
Dara: O Paulistinha acho que ‘Cê deve ter envolvimento, se não me engano
Cecílio: Então, mas acho que foi ele…
Dara: O senhor não chegou a ter muito contato então?
Cecílio: Eu acho que foi ele também que fez o Paulistinha, minha experiência, (20:47) muito pouco tempo.
Dara: Por ser mais longe, né. E essa é uma pergunta que eu queria fazer pro senhor, porque assim, eu “‘tô pesquisando a história do cinema e algumas coisas ficaram confusas. Foi um trabalho muito (20:59) né, que eu fiz né, além de ler seus textos, né. E eu cheguei ao Cine Politeama, e pelo que eu tive a entender, existiram dois Cines Politeama, um com “Y” e “th” e outro sem. Aí o sem “th” foi o do meu tio, né, e você chegou a frequentar?…
Cecílio: Não, não, o primeiro não.
Dara: Ele é muito antigo, né.
Cecílio: Muito antigo, mas eu tenho, tinha informações deles pelos meus pais, que eles frequentavam, o Politeama. E eu não sei se é naquele mesmo local.
Dara: Então, né, ninguém sabe, que coisa…
Cecílio: Ele é muito antigo, muito antigo. E o cinema naquela época era de pessoas de elite, o povo não ia ao cinema. Primeiro lugar que não tinha recursos, e ir ao cinema exigia, sabe, trajes especiais. É que nem ir na missa das dez, todo mundo ia fingindo, todo bonitinho, na missa.
Dara: E o senhor lembra de alguma história de seus pais desse Cine Politeama antigo, sabe de alguma coisa dele? Porque o cinema ele…
Cecílio: O meu pai ele chegou a, porque ele pegava o cinema mudo, entende? E meu pai participava desde moço numa orquestrinha, e a orquestra tocava no cinema mudo, e meu pai foi violinista.
Dara: Nossa! Do Politeama?
Cecílio: Do Politeama.
Dara: Que legal! Então ele existiu, né? Se seu pai trabalhou então lá ele existiu!
Cecílio: Existiu!
Dara: Que era minha maior questão.
Cecílio: Não! Você duvidava que ele existiu?
Dara: Então, porque eu não tenho muitas informações…
Cecílio: Não, ele existiu, eu não sei onde era mas pode ser por ali.
Dara: É, eu fico me perguntando…
Cecílio: Não, é por ali, porque os cinemas eram sempre… Cinema, igreja, restaurante, jardins, eram tudo perto.
Dara: E que coisa também né, não sei se você já parou pra pensar, dessa conexão que o cinema tem com a igreja, porque os cinemas estão em volta da igreja. E muitos cinemas hoje em dia, agora, são igrejas. O senhor já parou pra pensar nessa conexão?
Cecílio: É que as igrejas, eram (23:34) de cinema, né. Então, toda a povoação brasileira começa sempre numa capela. Piracicaba também foi uma capela. E o cinema, quando eles começaram, tinha que ser na parte central da cidade, e as igrejas, as capelas, eram justamente na parte central da cidade. Mas muito pelo contrário, havia muita pressão do clero para certos filmes, então eram proibidos. Eu me recordo por exemplo, que eu era aluno do Colégio Dom Bosco, eu saí de lá em cinquenta e quatro, e houve a famosa ‘Mater et Magistra’, que era a (Carta) Encíclica do Papa João XXIII, que ele abriu os horizontes, sabe, ele rompeu aquele negócio de muita banalidade falsa, aquele negócio tal… Então, chama-se Primavera da Igreja, que foi primavera do mundo também, se abriu. Mas antes disso se chamava ‘Index’, e tinha igreja que publicava, na porta da igreja, as coisas proibidas. Então tinha algum filme que aparecia, se aparecia mulher de perna de fora: Proibido. Entende? É uma coisa maluca.
Dara: Que coisa. E bom, a gente tava falando do antigo Politeama, né, você chegou a frequentar o segundo Politeama?
Cecílio: Muito.
Dara: E tem alguma história legal ‘pra contar ‘pra gente?
Cecílio: Ah, sempre com namorada (risos).
Dara: Sempre com namorada (risos). O cinema participou dos seus dois amores, seu amor por cinema e seus outros amores.
Cecílio: É, mas não foi só uma namorada, né (risos). Eu tenho três casamentos (risos).
Dara: (risos) E todas elas envolveu sala de cinema?
Cecílio: Todos, todos. Mas hoje eu ‘tô solteiro, não quero mais saber disso aí.
Dara: E acho que não cheguei a comentar do Cine Colonial, né. Você chegou a frequentar o Cine Colonial? Tem alguma história? Alguma vez que levou as namoradas também… Cecílio: Ah, sempre é isso, sabe, sempre é isso. E quando via os filmes. E eu ia, olha, cinema pra mim, mais do que hábito, pra mim se tornou vício, como eu tenho vício hoje de ver filme pela TV.
Dara: E de onde o senhor acha que vem esse vício que tem, de cinema?
Cecílio: Olha, eu nasci numa família pobrezinha, muito ligada à arte, sabe. Então minha mãe era pintora, meu pai violinista, minha outra irmã pianista, sabe. Então, a arte sempre esteve ali, e eu nasci nisso. Por exemplo, minha vontade de escrever, já vinha desde os cinco, seis anos. Então até hoje, eu vejo meus filhos por exemplo, eles são contaminados também por isso.
Dara: Que legal, que bacana. E, indo para os finalmentes, das salas de cinema, você comentou que chegou a frequentar o Cine São José também, né. E tem mais alguma coisa que gostaria de compartilhar?
Cecílio: Sim. O São José, ele tem um detalhe, o São José era o cinema dos pobres, né. Então, tinha a plateia, a frisa e a outra parte, não me lembro como funcionava aquilo, cada uma com um preço. Além disso tinha uma outra parte, que chamava poleiro, e o povo entrava por outra portinha, subiam a escada e iam pro poleiro, mas só podiam entrar pretos, pobres, gente que às vezes não queriam pagar, conforme o filme, entende? Então tinha filme que se falava “Pode entrar, no poleiro”.
Dara: Que coisa. E começam (28:00) a ficar os cinemas mais antigos, começam a ficar tudo mais abstrato, né. O senhor ouviu falar do Cine Íris? Foi um dos cinemas, se não me engano, foi a segunda sala de cinema que Piracicaba teve.
Cecílio: Não. Isso foi na época do primeiro Politeama.
Dara: Ah, na época do Politeama então, então eles eram primos. E o senhor conhece alguma história?
Cecílio: Não, mesma coisa do Cine Politeama, né. Era sempre para uma minoria.
Dara: E sobre a primeira sala de cinema de Piracicaba, o Cine Bijou, que durou, assim, nada, mas foi a primeira…
Cecílio: Outro dia (28:44) eu escrevi alguma coisa sobre isso, do primeiro cinema de Piracicaba, acho que antes do Cine Bijou já tinha outra.
Dara: Antes do Cine Bijou… Eu acho que tinha, posso estar meio… começa ficar mais antigo, começa ficar mais confuso. Até onde eu acho, tinha exibições no Clube Piracicabano, né, que hoje é o Coronel Barbosa, lá tinha exibições.
Cecílio: É, o Coronel Barbosa não era bem cinema, ele tinha uma salinha de projeção.
Dara: Ah tá, então aquelas exibições que tinham, que na época era o Clube Piracicabano, eram só uma salinha de exibição, então, não chegou a ser um cinema, assim. E eu sabia também dessas exibições no Teatro Santo Estevam.
Cecílio: Ah não, o Santo Estevam não tinha filme não.
Dara: Não teve filme no Estevam?
Cecílio: Não. Eu frequentei o Teatro Santo Estevam quando eu era garoto, e era mais teatro mesmo, e shows e espetáculos. E tinha aquele negócio, que nem o… Silvio Santos por exemplo, aquele negócio de público, programa…
Dara: Programa de auditório?
Cecílio: De auditório, tinha muito programa de auditório.
Dara: E não tinha exibição então?
Cecílio: Não, de filme não.
Dara: Olha… E você acha que teve algum antes do Bijou ou você acha que o Bijou foi o primeirão?
Cecílio: Então, eu não sei se foi o primeirão viu, não me lembro. Depois eu dou uma olhadinha ali pra vocês, alguma coisa já eu escrevi sobre isso, mas também não sei onde que escrevi (risos).
Dara: (risos) É porque, começa ficar antigo, né… Nossa, pra eu achar onde foi o Cine Bijou foi assim…
Cecílio: E onde foi o Bijou?
Dara: Foi no mesmo lugar onde é o Broadway hoje em dia
Cecílio: Ah… foi lá.
Dara: Foi o Bijou, aí foi o Íris, aí demoliram, virou uma pista de patinação, virou um ringue de luta.
Cecílio: Aí, tá vendo, ‘cê sabe mais que eu.
Dara: Aí construíram o Broadway. Eu achei isso super legal, né, fazer em um dos primeiros lugares. Então onde foi o Broadway foram quatro cinemas, foi o Bijou, o Íris, o Broadway e o… quem foi depois do Broadway mesmo? Foram quatro… Aí assim, agora vai começar a ficar muito abstrato mesmo, você sabe alguma coisa sobre a primeira exibição de cinema em Piracicaba?
Cecílio: Posso falar uma coisa pra você? Com respeito. Velhinho, sua vó (risos). Sei lá, não vou saber nada.
Dara: (risos) Eu fui pesquisar a primeira exibição, né, tem um artigo no jornal, artigo assim, tem uma chamada né, no jornal, que falam que foi num salão contido ao Chopps (31:34). É tudo que eu sei. Onde foi esse salão, alguns dizem que foi atrás do Santo Estevam.
Cecílio: Que ano?
Dara: Foi, tá na minha colinha também, que eu sou ruim de data. A primeira exibição em Piracicaba foi, no mesmo ano que surgiu o cinema, em mil oitocentos e noventa e seis, só que foi bem no final do ano, que o cinema surgiu no começo desse ano, no final do ano ‘tava tendo exibição aqui em Piracicaba. O que é muito legal, eu fui estudar sobre o pré-cinema, quando Piracicaba era uma província, e tinham ambulantes cinematográficos e eles passavam por Piracicaba. E no mesmo ano que surgiu o cinema já tava tendo exibição em Piracicaba, só que a gente não tem muitas informações sobre.
Cecílio: Mas eu já publiquei algumas coisas sobre isso, não sei que livro meu também. Mas só queria dizer ‘pra vocês que, a definição de “jornalista”, sabe qual é? Especialista em generalidade, não sabe nada específico, nada… (risos). Passa tudo por cima.
Dara: (risos) Essas informações, assim, eu ‘tô perguntando ‘pra qualquer um na rua que tiver, porque são assim…
Cecílio: Mas ‘tá dando ‘pra eu responder alguma coisa pra você?
Dara: Claro! Nossa, meu Deus, eu ‘tô cheia de anotação na minha folhinha. Bom, indo ‘pros finalmentes, assim, eu queria fazer umas perguntas, assim, mais diretas. Você vai ao cinema hoje em dia?
Cecílio: Não.
Dara: Hoje em dia não? E você…
Cecílio: Hoje, por exemplo, eu ‘tô com uns problemas de coluna, de alguns anos eu sou dependente de condução. Mas eu frequentei muito cinema em São Paulo, muito cinema em São Paulo.
Dara: E você gostaria de ir mais ao cinema hoje em dia? Como é sua relação de não estar indo ao cinema?
Cecílio: Hoje é o seguinte, eu não saio mais de casa, então se quiser trazer o cinema ‘pra cá, ‘tá tudo bem (risos). Eu acho o seguinte, gente, agora com os meios que nós temos, é muito prático, né, você assistir em casa, aquele negócio todo. Eu lamento que aquela relação social, sabe, comunitária, que tinha indo ao cinema… depois você ia ‘pro restaurante, depois você ia tomar um choppinho, né. Aquilo tudo acabou, mas acabou… passou o tempo, né, passaram tempos. Isso não vem, não aconteceu agora, eu vivi isso tudo. ‘Pra mim começou tudo na década de oitenta, década de oitenta foi levando (34:22).
Dara: E o senhor sabe se tem uma época da sua vida específica que você ia muito ao cinema? Ou você sempre foi muito ao cinema?
Cecílio: Sempre fui.
Dara: Sempre foi muito ao cinema?
Cecílio: Sempre.
Dara: Eu falo muito que…
Cecílio: Depois que eu… inclusive ia com minha noiva, depois ia com minha mulher, mas depois que os filhos chegaram, muitos filhos chegaram, né, eu tenho cinco, né, aí diminui. E daí começou vir a televisão, começou vir o cinema em casa, né.
Dara: Eu falo muito assim, eu tenho uma relação muito forte com sala de cinema também, na minha história. E eu sempre falei que o cinema foi assim, antes eu falava que era uma segunda casa, depois eu comecei a falar assim “Quer saber? Eu acho que é minha primeira casa mesmo, não vou pôr o cinema em segundo lugar.”. E eu falo que eu procuro pessoas, tentando achar alguém que tenha a mesma relação que eu. O senhor tem uma relação parecida assim, com o cinema ser sua casa?
Cecílio: Eu tenho. Cinema pra mim… Quando eu podia eu ia a tarde, sabe. Era loucura, era loucura. Eu me lembro que em Ubatuba, uma vez, eu gosto muito de Ubatuba, eu me lembro que tinha um cineminha em Ubatuba. Eu ia lá no cineminha ‘pra ver o que ‘tava passando. Onde tinha cinema eu ia atrás. Eu cheguei a fazer um anti-projeto para cinema, era um livro meu, que esse livro eu ia transformar em filme, né, é o “Um noivo para Ester” (35:58). E tinha um grande cineasta, meu grande amigo pessoal, então eu escrevi meu primeiro roteiro, mas aí ele não encontrou financiamento (36:09), aí veio também a confusão política, né. E outro romance meu, “Bagaços da Cana”, a Globo queria transformar em novela.
Dara: Que legal! E eles entraram em contato com o senhor?
Cecílio: Sim. Eu fui, fiquei uns dias lá em… Mas foi… bobagem minha de jovem, né. Eles falaram, mostraram, como fazia o (36:23) tudo. E mostraram um aparelhinho assim, “Olha, quem manda é isso”, era o Ibope. Então eles queriam que eu assinasse a autorização ‘pra eles fazerem, né. Falei “não”, besteira minha foi, né.
Dara: A gente também quando escreve alguma coisa, a gente fica tão apegado né, eu também já escrevi tantas coisas.
Cecílio: Ah fica (37:03) com a gente né.
Dara: Fica. E eu queria saber, assim, o que significa pra você ver um filme no cinema, se pudesse…
Cecílio: Significava, né.
Dara: É, o que significava.
Cecílio: Ah era parte de minha vida, né, era parte de minha vida. O cinema você… Eu me lembro, veja bem, que eu era molequinho e eu tava sofrendo de miopia, devia ter uns dez, onze anos. Eu ia na primeira fila do cinema assistir musicais e levava, que nós éramos pobres, aquele negócio todo, não tinha ainda muitos livros, e eu levava o caderninho com lápis ou alguma coisa assim, pra ver nos musicais qual era a rima. Então “coração” rima com “emoção”, “amor” rima com “dor”, sabe, eu ia anotando, assim, queria escrever.
Dara: Que legal. E se pudesse, assim, escolher uma sala de cinema que mais te marcou?
Cecílio: Ah, São José.
Dara: São José? E qual sala você mais frequentou?
Cecílio: É, São José ou Broadway.
Dara: E ‘pra finalizar, quase finalizando na verdade, tem alguma história que você gostaria de contar?
Cecílio: Relacionado ao cinema?
Dara: Relacionado ao cinema. O que você acha que faltou…
Cecílio: Ih, minha filha. Se for conversar sobre filme aqui nós vamos precisar de uma mesa de bar tomando chopp e conversando (risos).
Dara: Ah, então na próxima a gente arranja isso! (risos) Se é um chopinho hein…
Cecílio: Um choppinho, uma caipirinha (risos), pode me convidar que eu vou, e pago daí ‘pra vocês.
Dara: Olha, daí agora que eu vou arranjar isso. Então, antes, ‘pra finalizar, eu queria só entregar um negocinho ‘pro senhor, deixa eu só pegar aqui.
Cecílio: Vixe Maria.
Dara: É um presentinho, eu queria entregar pra você de agradecimento, por você ter participado do projeto. Porque ele é muito importante.
Cecílio: Ô, que isso… Como que abre isso? Eu sou desajeitado.
Dara: Quer que eu abra então? Ó, até eu, embalei tão bem embalado…
Cecílio: Nossa… Olha, que delícia. Eu preciso falar com Dona Ângela, sabe por quê? Hoje eu falei “Nessa casa não tem bala” (risos).
Dara: (risos) Ah, então olha! Eu previ seus pensamentos!
Cecílio: Muito obrigado!
Dara: Muito obrigada, viu! Foi muito importante pra mim.
Cecílio: Muito obrigado! Vocês são adoráveis! Muito obrigada!
Dara: Eu queria saber se nós podemos tirar uma foto, sorrir ‘pra câmera, e aí vira uma foto.
Cecílio: Claro. Depois eu quero com nós três.
Dara: Ah, verdade!