Piracicaba Nunca Esqueceu
A história das salas de cinema em Piracicaba

Luiz Andia

DARA: Para começar oficialmente a entrevista, você fala o seu nome completo, por favor.

LUIZ: Luiz Andia Filho.

DARA: E qual é a sua ligação com as salas de cinema de Piracicaba?

LUIZ: Nossa, muita. Minha ligação com a sala de cinema é assim…

DARA: Pode olhar para mim.

LUIZ: Eu cresci dentro de uma sala de cinema. Minha família tinha salas de cinema e desde pequeno, desde as minhas primeiras lembranças de vida é frequentando sala de cinema. Seja assistindo um filme, sendo ir ver alguma coisa que tinha que ser arrumada, alguma contar bilheteria com meu pai. Então essa é uma ligação muito intensa e muito afetiva.

DARA: Entendi. E você, hoje em dia não tem mais cinema de rua, só cinema de shopping. E o que você acha que os cinemas de shopping têm, que os cinemas de rua não têm?

LUIZ: Ah, o cinema de shopping faz parte de uma programação. Você vai no shopping por lazer, fazer compra, almoçar e ir no cinema. Então, esse é um fato. Outra coisa, o cinema de shopping, você vai lá, faça sol, faça chuva, o cinema tá lá. Então ele é a extensão de uma programação que você faz no dia. Às vezes você vai no shopping e você pode ou não ir no cinema. Já o cinema de rua, não. O cinema de rua ele era um evento. Ele era programado para ir no cinema. A programação era assim, vamos hoje no cinema. Não existia isso. Você começava a programar no meio da semana, no começo da semana, para ir no cinema. O cinema era a programação principal. Então essa é uma diferença crucial. Uma outra diferença do cinema do shopping pro cinema de rua, o cinema de rua era muito mais coletivo. Então, hoje você vai muito assim, sozinho no cinema. Raramente no cinema de rua você ia ver uma pessoa sozinha assistindo um filme, né? Menos uma quantidade bem menor, casais. E uma quantidade muito grande de amigos. Então você fazia, qual era a programação: Você começava no meio da semana ia quatro, cinco, seis, oito pessoas iam junto assistir um filme. Era uma programação coletiva. Então eu acho que isso era muito bacana né, então esse tipo de atividade. Ir no cinema, ir no cinema era uma programação diferente do cinema do shopping.

DARA: E o que você acha dos cinemas de rua então? Se você acabou respondendo essa pergunta mas vou fazer por via das dúvidas. E o que você acha que os cinemas de ruas então tinham que os de shopping assim…

LUIZ: Acho que o principal, assim vou colocar uma cronologia. Eu frequentei cinema no final dos anos 70, anos 80 e anos 90, começo dos anos 90 e até meio dos anos 90 cinema de rua. Aí de fato acabou. Então é esse período. O cinema de rua ele é muito mais democratico que o cinema de shopping, porque na rua do centro, normalmente é em centro né a localização fácil. E todo mundo vai. Toda classe social, e hoje não é toda classe social que vai num shopping. Então o cinema de rua é mais democrático, a acessibilidade era total. Todo mundo da população ia. Você encontrava todo mundo no cinema de rua. Essa era uma vantagem, a segunda é aquela que eu já te respondi, que era uma programação coletiva. A finalidade era ir no cinema, e não o cinema uma extensão do programa. Então acho que essa é a grande vantagem do cinema de rua.

DARA: O cinema de rua era mais assim… até posso dizer, como se fosse meio que os dias de glória do cinema você acha, assim?

LUIZ: Não tenha dúvida, e acessível né os preços de ingresso não são que nem hoje, né? A bomboniere sempre foi, a diferença é que hoje vende pipoca e não vendia pipoca, e nem refrigerante. Mas os preços sempre foram exorbitantes, a gente tentava entrar com uma balinha escondida pra ser mais acessível. Mas o preço era mais acessível a todo mundo, né? Então você via todo mundo dentro do cinema. E eles eram maiores, salas imensas. Pelo menos em Piracicaba. Em Piracicaba as salas sempre se destacavam, salas do tamanho de salas de São Paulo e Rio de Janeiro.

DARA: Entendi. E você tava aqui em Piracicaba na época que teve a transição das salas de rua para as salas de shopping?

LUIZ: Sim.

DARA: E o que você sentiu nessa mudança? Com essa transição?

LUIZ: Ah, eu fiquei duplamente chateado, primeiro que minha família já não era mais proprietária então não tinha privilégios. Mas assim, era diferente, o cinema de shopping era um pouco menor, tudo isso que eu te disse, né. Então assim, mudou, mudou a maneira de você assistir o filme. Até porque, tem que entender que onde você assistiu o filme? No cinema. Qual era a outra opção? Quando o shopping entrou ele tinha também como concorrente as locadoras onde se assistiam as fitas de VHS. Então o cinema já não era assim uma finalidade em si, você podia assistir um filme em casa. É lógico que hoje com as plataforma de streaming você pega um lançamento em dois meses ele tá na plataforma, às vezes menos que isso. Na época do cinema de shopping, que você tinha locadora, demorava um pouquinho pra chegar na locadora mas você tinha a opção de esperar e assistir em casa com as fitas VHS. Você tinha essa opção e depois veio o DVD com as grandes redes tipo blockbuster, etc. Mas você tinha esta opção, agora quando era cinema de rua ou você assistia no cinema ou você assistia na TV Globo 10 anos depois. Então era essa diferença. Então perde um pouco o glamour que tinha, apesar de ser muito bom hoje tem as multiplex da vida, as salas gigantescas, as salas vip, que foi uma coisa muito recente. Mas ele perde aquele glamour que tinha no cinema de rua.

DARA: Entendi, e quais eram os hábitos mais comuns das pessoas que frequentavam os cinemas de rua?

LUIZ: Em que sentido assim?

DARA: Que hábito de ir, como era o comportamento das pessoas no cinema de rua?

LUIZ: Como eu disse, Dara, o cinema de rua as pessoas iam de forma coletiva. Ia primos, lembro na minha época de ligar para minhas primas quando tinha lançamento. Eu sou da época do Indiana Jones, fui assistir no cinema o lançamento do primeiro. Caçadores da Arca Perdida, aquela música que persegue o Harrison Ford. O Guerra nas Estrelas, então quando saía esses filmes, e os filmes nacionais era os trapalhões né que hoje, hoje não ne tem mais, mas Turma do Didi que antigamente eram Os Trapalhões que eram os campeões de bilheteria, né. E os clássicos que saíram também nos anos 80. Mas por exemplo, então a gente ligava pra um primo, pra um parente, pra um amigo, e ia todo mundo no cinema, aquela galera. Ia oito, dez, e aí um detalhe interessante, não existia poltrona marcada, não tinha numeração. Então era aquele deus nos acuda, né. Abria e na hora que abria pra entrar entrava aquela galera um pulando em cima do outro pra poder ficar todo mundo meio que junto, meio que junto né porque não tinha poltrona marcada. Então, mas era a programação do mês. A gente sabia, como é que a gente sabia? Isso é uma coisa interessante. Os cartazes, você entrava no cinema tinha os cartazes do filme e tinha um espaço que mostrava o cartaz do próximo filme, então você sabia quando ia entrar o próximo filme com os cartazes do cinema. Depois saia nos jornais, mas sempre você sabia a novidade que viria no cinema, no cinema. Aí quando tinha o cartaz tinha o trailer também, então antes de começar o filme né, hoje também tem o trailer, a gente tinha era tipo um ritual, né. Passava a liberação da censura, lembrando que anos 70 e anos 80 a gente tava na ditadura militar então sempre tinha o aviso da censura que aquele filme estava liberado pelo censor e o nome do censor. Era a pessoa que liberava o filme, depois tinha uma propaganda que era o canal 100 que dá pra ver no youtube, tocava uma musiquinha e tocava uma coisa nacionalista, em função da época que a gente vivia. Então ou um futebol, ou uma grande obra do governo, mas era legal o canal 100 uma narração numa voz forte assim. E daí vinha o trailer do filme que viria na sequência no cartaz que estava exposto. Então tinha toda uma lógica e depois começava o filme. Então era assim que funcionava.

DARA: Que legal! E você chegou a frequentar o CineArte?

Sim, sim. Foi o último cinema se não me falha a memória, ainda com as máquinas do Rivoni, foram para o cinearte. Foi o ultimo cinema e depois fechou em uma enchente, também não me lembro, um negócio assim, mas o cinearte ficava atrás do teatro ali, que é o teatro municipal. Era uma sala menor, e o próprio nome já diz o intuito do cinema, passar filmes fora, não era tão comercial. Posso citar um que me marcou muito, que é o 1984 de Orwell. Eu assisti lá no CineArte, foi um filme muito marcante pra época e imagina, em 80 e pouco, né. O Orwell já ditava esse mundo que é hoje, da maneira dele. E passou no cinearte, só que daí no cinearte você já ia em grupos menores ou casais, você via pais de amigos, encontrava com pessoas mais velhas, e era uma sala menor e pra assistir filmes que estavam não era fora de catálogo mas que você queria assistir em uma tela grande, né.

DARA: E você lembra assim, teve alguma coisa que mais te marcou nesse cinema? Alguma história?

LUIZ: No CineArte?

DARA: É.

LUIZ: Lembro sim. Tem uma que me marcou bem forte, eu não me lembro do nome do filme mas era um filme japonês. E que era a maior polemica sobre esse filme, mas a gente ainda sabia muito pouco, não era que nem hoje que tem uma sinopse muito grande. Aí eu fui assistir esse filme e encontrei vários pais de amigos como eu disse que a gente encontrava, só que o filme era extremamente pornográfico. E ficou extremamente constrangedor na saida do cinema, ninguém olhava porque não é que nem hoje a pornografia não era tão explícita, era mas de outra forma. E o filme era extremamente constrangedor, até difícil de entender porque aquele diretor e a produção fez o filme daquele jeito. Era sobre um imperador japonês, enfim. E aí na saída do cinema todo mundo se encontrou, um não olhava pro outro de vergonha, então foi uma coisa marcante, lembro da saída do cinema depois de ver esse filme.

DARA: Imagino. E você lembra mais ou menos a época que fechou? Você estava presente quando fechou? Porque o Cine Arte foi o último cinema né.

LUIZ: Eu não estava, eu não morava mais em Piracicaba, só fiquei sabendo da notícia que fechou o Cine Arte.

DARA: Entendi, e como você se sentiu quando você percebeu? Porque já estava nessa, né, o Tio Chico já falava “vai fechar, vai acabar”. Mas quando você reparou que poxa, acabou, já era.

LUIZ: Ah, eu acho que assim, a gente vai acompanhando a modernidade. Eu acho que o videocassete estava entrando muito forte nessa época, entendeu? Especulava-se muito “o cinema vai acabar porque agora tem videocassete”depois entrava o DVD, o Blu-ray. O DVD também tem uma história de evolução, o Blu-ray e tal, as TVs de tela maior. Então se especulava muito “vai acabar o cinema”, mas na verdade o cinema se transformou, o cinema de shopping também tem seu diferencial, a sua magia. Eu acho que isso não se perde, a mesma coisa que se falava do rádio e tá aí, o rádio tá aí se reinventando e o cinema a mesma coisa. Então foi uma coisa assim, a gente encarou de uma forma mais natural.

DARA: E você achou que o cinema ia acabar?

LUIZ: Eu não tinha uma opinião formada, eu achava que não. Nunca achei que o cinema ia acabar como eu nunca achei que o rádio ia acabar. Porque o cinema é muito prazeroso, né? É o momento que você se desliga, acho que o Scorsese tem uma frase assim, ele falava: o cinema é aquilo que está para dentro, aquilo que está para fora. Uma coisa que você se desconecta do mundo e entra ali dentro. Diferente de você assistir um filme na sua casa, que você dá um pause e toca o telefone, e o cachorro late. Então o cinema é uma coisa que, tanto é que a gente vê salas e salas lotadas mesmo agora depois da pandemia. O filme da Barbie, Oppenheimer, começou a trazer todo mundo de volta pro cinema.

DARA: É, e serve de consolo até hoje na minha faculdade tem discussão que algumas pessoas falam que o cinema vai acabar! E eu falo gente, se não acabou até agora…

LUIZ: Mas eu acho que o maior exemplo é o rádio, imagina se o rádio não acabou o cinema vai acabar? E o rádio cada vez você tem mais opções e maneiras diferentes que você interage, que você vê. Então eu acho que a forma vai mudar, como vai ser a gente não sabe, nos anos 80 se alguém me perguntasse: como vai ser o cinema no próximo século? Eu não saberia dizer que a gente ia poder ter uma sala vip, uma sala com sensações, que você passa um filme e espirra água e você sente que molhou, que você pode esticar a perna. Nunca ia conseguir imaginar isso, até mesmo a qualidade do som, apesar que eu acho que alguns filmes o som é pouco alto e seria diferente de antigamente, que já era dolby stereo também no começo dos anos 80 já tinha uma qualidade de som muito boa. Mas eu acho que deve mudar, vai se reinventar como o rádio se reinventou, como a televisão está se reinventando. Mas acabar eu não acredito.

DARA: Entendi, e você chegou a frequentar o Cine Tiffany/ Broadway?

LUIZ: Muito pouco, sabe por que? Assim, os melhores lançamentos eram no Rivoli, Politeama e Rivoli. Politeama eu peguei no começo dos anos 80, eu era novo nessa época, nem adolescente eu era, então muito pouco. Aí então o que acontecia, o Rivoli tinha os melhores lançamentos e o Broadway e o Tiffany, não sei qual foi o nome, o primeiro ou o segundo.

DARA: Primeiro foi Broadway e depois foi Tiffany.

LUIZ: Então, eram lançamentos menos expressivos, eram filmes mais de ficção, faroeste que era o tradicional. Então era um cinema que não era tão grande assim, mas eu assisti sim, fui no Broadway e no Tiffany.

DARA: E você tem alguma lembrança que mais te marcou nesta sala?

LUIZ: Nessa sala nem tanto, fui muito, fui bastante mas tem nada muito… Diferente do Rivoli, o Rivoli tem bastante coisa lá.

DARA: E o que que você tem de lembrança do Rivoli?

LUIZ: Do Rivoli? Vish, aí é muita coisa! As filas quilométricas, o Rivoli era muito grande, ele era um cinema acho que perto de mil lugares.

DARA: Sim.

LUIZ: Era uma cinema muito grande, a tela enorme, com uma cortina assim eletrônica que abria. A coisa era muito bonita, o cinema era muito bonito. A qualidade do som, da acústica era perfeita. Então por exemplo eu lembro dessas filas, principalmente dos filmes dos Trapalhões que passava, então era uma fila que dobrava os quarteirões na Benjamin e virava descia a 15 e pegava parte da Armando Sales. O pessoal saía por baixo, porque você podia sair por cima ou por baixo, então quando era filme muito lotado abria-se a saída por baixo então você saía pela avenida. E a fila de entrada às vezes chegava perto da porta de saída que era do outro lado, dava a volta no quarteirão, o pessoal ficava no sol era aquela muvuca né. A turma passando de carro, não tinha onde estacionar, lembrando que o volume de carro era bem menor e você ainda não tinha onde estacionar. E a gente indo assistir o Rivoli, mas uma lembrança anterior é a que eu falei dos ingressos. Eu era pequeno e meu pai me levava à noite no cinema e tinha uma muretinha que ele não deixava eu olhar porque eram filmes que eram impróprios, apesar de não ter cena nenhuma, mas não podia. E aí ele contava o número de pessoas assistindo o filme e levava a bilheteria para casa e contava o número de bilhetes para ver se batia com o número de pessoas que estavam assistindo. A bilheteria era manual, eu era pequeno e ficava junto, adorava e depois ficava brincando com os bilhetes que ele contava. Aí ele fazia a checagem, isso me lembro, uma das primeiras recordações de infância de cinema. Tenho também recordações que a gente ia durante o dia, tinha que fazer manutenção do cinema, eu tinha 6 ou 7 anos de idade, saía correndo no meio das poltronas e tal. Não estava tendo sessão nem nada, estava arrumando aqui e ali, subia na sala de projeção, aquele filme… esqueci o nome… do menininho que ia na sala de projeção. O Cine Paradiso, foi um filme que me marcou muito porque eu ia muito ver a projeção, o cara trocar o rolo e por outro rolo. Então ia sempre no Rivoli, então são as maiores recordações…

DARA: (Espirra) Perdão.

LUIZ: Imagina. As maiores recordações assim do Rivoli pequeno, e depois como assistir o filme é essa história das grandes filas, tal, e às vezes como meu irmão era proprietário, o meu pai, então a gente entrava pela lateral, cortava fila, se achava o máximo né. Aquela vantagem que a gente tinha em relação aos outros de poder assistir o filme. Só que lá dentro mudava de figura, como eu disse a gente não tinha lugar marcado então a gente já ficava atento porque acabava o filme, a pessoa da limpeza fazia uma limpeza rapidinho para poder começar outra sessão, e a gente já ficava atento. Os amigos já criavam aquelas: você vai pra cá, você pra cá. Já entrava e já ia para um canto para tentar pegar um lugar bom e onde pudesse o máximo dos amigos juntos. Nem sempre dava, ficava dois meio separados, a galera junto, mas essa é uma recordação. Uma outra recordação que nem sei, acho que hoje não me recordo que tem no cinema é o lanterninha, acho que não tem mais lanterninha. Qual que era a função do lanterninha? A função do lanterninha era primeiro, antes dos trailers ele já passava com a lanterna para olhar e dar uma bronca se você tava com o pé na cadeira, ele fazia isso. Se tinha muita gente fazendo bagunça, tal, ele dava uma piscada, só a piscada da lanterna você já sabia que tava passando dos limites. E o engraçado é que era respeitado, todo mundo ficava quieto por causa do lanterninha. E a segunda função era o seguinte, a sala era muito escura, hoje você vai na sala e tem aquele led no chão, não se você reparou. Quando a gente entra vê o led, quando você senta você não vê, porque ela fica embaixo do degrau, é estratégico pra quem tá sentado não enxerga, pra quem tá entrando ela enxerga. Não tinha essa tecnologia, primeiro que nem tinha LED então o lanterninha ele levava as pessoas até o local. Por exemplo, o cinema tinha quase 1000 lugares e estava quase cheio, aí sempre chegava um atrasado, ele abria a cortina lá no fundo. E outra coisa, hoje você entra por túnel, antigamente você entrava direto na sala então se abrisse a cortina que era de veludo grosso pra ser blackout dava aquela sombra na tela. Então tinha uma lateral que entrava, mais discreta, e o lanterninha acompanhava uma pessoa, um grupo e dava uma piscadinha o cara entrava aqui, dava outra piscada o cara entrava ali. Então o lanterninha era isso, ele vigiava quem fazia bagunça e conduzia quem chegava atrasado. Então isso eu lembro muito, e lanterninha porque ele ia com uma lanterna, né. E piscava, tal, você já sabia os códigos, piscou porque você tá passando dos limites ou que tem alguém precisando sentar em algum lugar. Então era isso, então me lembro muito do lanterninha, lembro das filas, lembro do fato de a gente… aí eu pedia permissão pro meu irmão e levava pipoca porque no cinema não podia. Mas isso quando era sessão à tarde, que era pouca gente, tá? À noite não permitia, porque se não ficava uma bagunça, você dava o exemplo aparecia todo mundo com pipoca, né. A mesma coisa que você tinha a obrigação de comprar na bomboniere, não é que nem hoje, né. Lembro no Shopping Piracicaba que ia na Lojas Americanas, comprava lá as guloseimas e vai pro cinema. Antes você só podia comprar dentro do bomboniere, e era caro, sempre foi caro, sempre foi muito caro. Então a gente entrava meio escondido com o pacote de bala, mas era pouca coisa que se consumia durante o filme, não tinha muito esse consumo que a gente tem hoje, o povo quer levar até batata frita dentro do cinema. Então era isso, e o Rivoli era bem bacana porque lotava embaixo né, abria em cima, ficava uma cordinha lá, também era outra estratégia. Essa era a estratégia dois, a estratégia um era pegar o lugar junto embaixo, a estratégia dois sabia que tava tudo lotado esperar todo mundo entrar, lotar, quando cara abria o negocinho você já saía correndo para cima que nem uma boiada desenfreada correndo pra pegar um local em cima.

DARA: E você falou assim que não vendia pipoca na bomboniere né, então de onde surgiu essa ideia de levar pipoca? Por que pipoca?

LUIZ: Ah, então, porque a gente assistia filme comendo pipoca né. Sessão da tarde, qualquer tipo de filme, até o videocassete foi popularizado mais no meio dos anos 80 né, final dos anos 80 você assistia filme em casa com pipoca. Ó, por que não levar pro cinema, né? A única coisa é que era proibido, hoje se vê como uma oportunidade de negócio, é tão caro quanto o filme né a pipoca do cinema. Mas… é… essa era a ideia, então fazia em casa mas chegava murcha, nunca dava certo porque você tinha que fazer em casa e às vezes ia de ônibus pro centro para assistir o filme com aquele saco de pipoca, aí chegava lá só pra dizer que comeu pipoca né.

DARA: Engraçado pensar né que pipoca, porque pra minha geração posso dizer que pipoca é o alimento oficial de cinema, de cinema. Não de assistir filme, na minha casa, pelo menos a minha geração, a gente vai assistir filme não necessariamente precisa ser pipoca. Mas agora se você vai no cinema e você não come pipoca, aí é estranho.

LUIZ: Tanto é que se você vai comprar pipoca de microondas tem lá: natural, com sal, manteiga e manteiga de cinema, né. Então porque a pipoca virou um alimento e como eu disse uma oportunidade de negócio. Água, essas coisas não tinha, a bomboniere era muito pequena; você imagina pro Rivoli que tinha quase 1000 lugares, a bomboniere se tivesse 2,5m ficava todo mundo lá em cima pra comprar e tinha três, quatro opções de duas balas, né, um negocinho de chocolate que era uma fortuna, dava pra comprar uma tonelada de chocolate pra uma caixinha de 100g.

DARA: E você não tinha desconto na bomboniere, não?

LUIZ: Não, a bomboniere era terceirizada, não tinha desconto. Tinha proprietário.

DARA: E você falou do lanterninha, já chegou a levar alguma bronca do lanterninha?

LUIZ: Ah, eu não, não levei. Eu não fazia tanta arruaça assim, eu ia no cinema com o intuito de assistir filme. O intuito era esse, gostava né, levava os amigos tudo, mas a gente ficava naquela emoção de assistir filme. Eu peguei… voltando. Na minha época era muito sucesso o 007, todos os lançamentos do 007 trilha sonora ganhava-se Oscar quem trabalhava. Indiana Jones, a saga Star Wars, Blade Runner 1984 assisti no cinema seis vezes assim um monte de vezes. Ah, e alguns clássicos assim né, ah não me lembro. Mas esses assim foram todos lançados nessa época, os efeitos especiais evoluíram muito nos anos 80, anos 90. E a gente assistia no cinema, nossa! Quando começava aquela música do Star Wars eu até me arrepio de lembrar. Abria assim e começava aquela letra no universo assim, depois a gente soube que filmaram em cima de um carrinho de um trilho deitado, e foram andando com o carrinho. Então era uma coisa assim, surreal. Mad Max! Mad Max é o filme que eu mais assisti, quando saiu Mad Max no cinema acho que eu e meus amigos assistimos tantas vezes que a gente decorou as falas, cada uma fazia a fala de um personagem em inglês, de tanto que eu assisti Mad Max. Mad Max e Blade Runner, também foi uma quebra de paradigma na época. Aí o Tarantino também começou a entrar com filmes que também mudou o modo de fazer filme no cinema, né? Eu lembro de Jack Brown, Pulp Fiction… Pulp Fiction, né? Assistimos no cinema, não foi? Pulp Fiction é 92, né?

DARA: Pulp Fiction é anos 90.

LUIZ: É, mas comecinho dos anos 90, né? Bom, não sei, mas enfim. Então e o que fez… como chama o cara que fez Star Wars?

DARA: O George Lucas.

LUIZ: O George Lucas, época que ele ganhou muito dinheiro fazendo… Ah, e De Volta Pro Futuro também se não me falha a memória. Sopra aí… De Volta Pro Futuro. Império dos Sentidos é o filme japonês que passou no Cine Arte, que foi extremamente pornográfico. Império dos Sentidos.

DARA: E quais filmes assim… você não chegou a conviver muito com o Broadway e Tiffany, era mais o Rivoli. Tinha algum além deles que você frequentava muito, ou na sua época era mais esses?

LUIZ: O que? Cinema?

DARA: É, de salas assim…

LUIZ: Ah, o Rivoli né.

DARA: Era mais esse assim, não tinha outro que você lembra?

LUIZ: Ah, o Rivoli e o Tiffany, mas o Tiffany o que eu falei era assim filme não tão de cartaz. Eram lançamentos mas não eram filmes muito expressivos, eu ia pouco, ia pouco.

DARA: É, agora essas salas mais antigas tipo Plaza, Paulistinha, Politeamo.

LUIZ: Ah, não era da minha época. O Politeamo eu lembro da fachada, muito pouco dentro. Ele já começo dos anos 80 acabou, final dos anos 70, não lembro.

DARA: É o Politeamo, eu imaginei que nenhum desses fosse ser da sua época.

LUIZ: Sei a história lá do Plaza, o que caiu, como que chamava? Plaza? Mas aí é história que todo mundo conta né. Que caiu, meu irmão e meu pai estavam dentro, era quase que dentro né, era lateral ali eles tinham o escritório e saíram pelo duto do ar, só quatro pessoas sobreviveram. Mas que foi um cinema com lançamento extremamente cinematográfico, mas eu só sei de história. Mas frequentar mesmo foi o Rivoli, o Tiffany e o Cine Arte.

DARA: E umas perguntas mais rápidas de bate-volta assim, pra ir finalizando. Você vai ao cinema hoje em dia?

LUIZ: Agora estou retomando depois da pandemia, fui assistir agora o Pobres Criaturas. A única coisa é que acho que agora os filmes estão muito mais longos, né? Então… nossa senhora! Não sei, ainda tô me adaptando a esses filmes longos. Mas eu gosto de cinema sim, quero voltar ao hábito de frequentar o cinema.

DARA: Agora, hoje em dia com qual frequência você vai?

LUIZ: Então, como eu disse para você, depois da pandemia que eu tô retomando muito pouco. Mas a ideia é voltar a assistir filmes sim, no cinema… não tem outro lugar melhor que assistir um filme que o cinema.

DARA: E com que frequência você ia na sua época de ouro de ir no cinema, com que frequência você ia?

LUIZ: Ah, uma vez. Na adolescência dependendo do filme, duas, três vezes por semana. Não, não é tudo isso, uma vez por semana eu ia tranquilamente.

DARA: E hoje em dia…

LUIZ: Ah, é difícil. Muito pouco, como te disse esse ano eu já fui uma vez, é muito pouco. Mas assim, a intenção é frequentar mais.

DARA: E a época que você ia mais no cinema então, era sua adolescência?

LUIZ: Na adolescência. Onde o cinema como eu disse era um programa, adolescência? Não era na adolescência? Na faculdade também ia bastante, mas não era em Piracicaba, eu ia na cidade que eu morava também em cinema de rua. Onde fui fazer faculdade, também assim como Piracicaba tinha o Cine Arte lá tinha a Sessão Zoom que era de quarta-feira à noite no cinema. Eram outros cinemas, cinema de rua, muito parecido com a configuração de Piracicaba. Então na época de faculdade eu ia bastante, na época eu namorava, tal.

DARA: E na infância você não ia?

LUIZ: Na infância eu ia assistir Os Trapalhões, aí dependia de tia, de mãe levar, de ir com algum parente, né. A gente era pequeno não podia ir. Mas na adolescência eu tinha autonomia e ia bastante.

DARA: Entendi… e o que significa pra você ver um filme no cinema?

LUIZ: Ah, significa deixar todas as preocupações na entrada. É se conectar com outro mundo, se conectar com o que tá acontecendo dentro da tela, deixar de ter preocupações. Ah, é um desestresse, uma maneira de se sentir mais leve e menos estressado.

DARA: Entendi, e tem alguma outra história que você…

LUIZ: Do cinema? Que eu me lembre? Ah eu acho que são essas viu, Dara. Não me lembro mais história do cinema, tô tentando lembrar alguma coisa diferente. Acho que eu já te falei, essa de assistir o filme com turma, de assistir no andar de cima, de poder levar pipoca, dos lanterninhas. Eu achava o máximo, eu era criança quando vi pela primeira vez o lanterninha eu falei: nossa, quando crescer eu acho que vou querer ser lanterninha. Que coisa legal! Você pode iluminar do jeito que você quer, coisa de criança.

DARA: E o que significou pra você voltar aqui depois de muitos anos? Voltar pra Piracicaba, que você não tá mais morando aqui. Voltar pra Piracicaba pra falar sobre os cinemas de Piracicaba, em um documentário feito pela sua filha?

LUIZ: Nossa senhora, uma emoção muito forte. Estava falando ontem pra sua mãe, pra minha esposa. O quanto foi, assim, eu não via o meu irmão há quase uma década, minha irmã muito pouco, porque ela mora do lado da minha mãe. Então, uma reconexão de família muito maluca, o mundo é muito estranho né. Se há vinte anos atrás falasse né, que eu tinha bastante ligação com meu irmão, mais do que tenho hoje; se falassem: “Ah, daqui 20 anos, daqui 30 anos você vai estar voltando aqui. Sua filha que tá terminando cinema, virando uma cineasta, vai entrevistar seu irmão. Eu ia rir, ia falar: não é possível, será? Será que vou ter filhos? Então esse lance foi uma reconexão de família, de um ciclo que eu acho que tinha que acontecer. Foi muito bacana. E entrevistar também meu irmão é uma coisa surreal, né? Ele não dá entrevista pra ninguém, não atende ninguém na casa dele. E entrevistá-lo foi legal, rever minha irmã apesar de ela estar um pouco nervosa ontem, tadinha. Ela não entendeu que a gente iria lá né? Porque normalmente ela estaria toda maquiada, ela é extremamente vaidosa. Acho que ela não entendeu direito o que ia acontecer, mas também foi legal revê-la. Tinha uma outra irmã minha, mas já faleceu, que tem a idade deles também. Que se estivesse viva você provavelmente ia fazer uma entrevista, né. Então foi reconexão com a família.

DARA: Legal, e pra finalizar então vou pedir só pra você olhar pra câmera pra gente tirar uma foto. Só olhar, você está com a mão assim na foto. E dá um sorrisão.