Piracicaba Nunca Esqueceu
A história das salas de cinema em Piracicaba

Detalhamento sobre cada sala

O Teatro Santo Estevão e a Primeira Exibição de Cinema em Piracicaba

(Praça José Bonifácio)

Fotos: Teatro Santo Estevão

Piracicaba, no final do século XIX, despontou como uma das cidades pioneiras no interior paulista a contar com energia elétrica, fator que impulsionou a modernização de espaços e a chegada de novidades culturais, como o cinema. Em 1896, poucos meses após a primeira exibição cinematográfica na França, a cidade promoveu sua própria sessão inaugural.

Esse evento ocorreu em um salão contíguo ao “Chops”, nas proximidades da Praça José Bonifácio, região central de Piracicaba na época. O local exato, contudo, permanece incerto, dividido entre duas principais teorias: uma que sugere sua localização atrás do icônico Teatro Santo Estevão, e outra que aponta para a área próxima à loja Raya, estabelecida em 1909. A única referência concreta é um artigo da Gazeta de Piracicaba, datado de 23 de outubro de 1896, que destacou a alta procura:

“No primeiro dia, houve um aperto dos diabos para conseguir entrada no salão, e parece que tem continuado a mesma frequência”

O Teatro Santo Estevão, inaugurado em 1870, desempenhou um papel central na cultura local, incluindo exibições de pré-cinema. Localizado onde hoje se localiza a Praça José Bonifácio, o teatro foi construído por iniciativa do Barão de Rezende, grande proprietário de terras e patrono da Santa Casa de Misericórdia. A obra enfrentou interrupções ao longo dos anos, sendo até apelidada de “Olaria Santo Estevão”, mas foi concluída.

Além de suas contribuições culturais, o teatro foi protagonista de uma saga histórica. Inicialmente doado à Santa Casa, foi vendido à Câmara Municipal em 1922. Contudo, sua deterioração e falta de manutenção levaram à interdição em 1951 e, posteriormente, à demolição em 1955, sob a alegação de que o prédio estava comprometido por cupins e inviável para reformas.

Clube Piracicabano

(R. São José, 799 - Clube Coronel Barbosa)

Foto: https://flic.kr/p/f1ULqp

O Clube Piracicabano, situado na frente da Praça José Bonifácio, conforme mencionado em registros históricos, dispunha de uma pequena sala de projeção durante as primeiras décadas do século XX, provavelmente entre 1900 e 1910. Atualmente, o edifício do clube permanece preservado, passando por transformações ao longo do tempo, inclusive de seu nome, agora conhecido como Clube Coronel Barbosa.

Cine Bijoux/íris

(Rua São José, 644)

Pelas informações disponíveis, o Cine Bijoux possivelmente foi o primeiro cinema estabelecido na cidade de Piracicaba. Esta sala se destaca por ser exclusivamente dedicada à exibição de filmes, ao contrário de outros locais, que também realizavam outras atividades além do cinema, como o Teatro Santo Estevão e o Clube Piracicabano. O Cine Bijoux foi estabelecido por empresários que vieram da capital de São Paulo, embora não seja possível determinar se o barracão utilizado para abrigar o cinema foi construído com esse propósito ou se já existia no local. A vida útil do Cine Bijoux foi breve; estima-se que não tenha durado mais do que um ano. Após o seu fechamento, foi inaugurado no mesmo local o Cine Íris, que provavelmente operou até o final da década de 1920. Essas salas se localizaram a menos de 100 metros da Praça José Bonifácio.

Polytheama

(Praça José Bonifácio - R. Praça José Bonifácio, 936)

O cinema Polytheama se localizava na frente da Praça José Bonifácio, e provavelmente abriu suas portas no início da década de 1910. Informações mais concretas sobre esse cinema foram obtidas por meio do contato com filhos de pessoas que trabalhavam na orquestra do cinema. Naquela época, o cinema ainda era mudo, e o Polytheama tinha uma relevância na cidade. No entanto, é interessante notar que os filhos dessas pessoas, hoje com idades entre 80 e 90 anos, nunca frequentaram o Polytheama e não se lembram do local, o que sugere que o cinema provavelmente encerrou suas atividades no início da década de 1930. O prédio que abrigava o cinema foi posteriormente demolido e hoje em dia abriga uma agência do banco Itaú.

Cine São José

(Rua São José, 799 - Clube Coronel Barbosa)

Foto: https://flic.kr/p/C69R4E

O Cine São José, localizado a menos de 100 metros da Praça José Bonifácio, foi um cinema de extrema relevância para a época. Destaca-se por ser o primeiro a sobreviver por mais de 20 anos, um período superior à média de duração das antigas quatro salas de cinema e dois locais de projeção fixa da região. Reconhecido por ser frequentado principalmente por pessoas de menor renda, o cinema proporciona a exibição de filmes e seriados, reservando um espaço para aqueles que não podiam pagar pelo ingresso. Tive a oportunidade de entrevistar alguns dos frequentadores, incluindo meu tio, Francisco Andia, e Cecílio Elias Neto, um jornalista de Piracicaba. O início das suas atividades ocorreu no final dos anos 20 e o encerramento das atividades ocorreu no início dos anos 60. Atualmente, o prédio do Cine São José está preservado, tanto em sua fachada quanto em seu interior. Embora não mantenha mais as cadeiras de cinema, ainda conserva o palco e a cortina, sendo utilizado para eventos como formaturas, shows e carnaval.

Cine Broadway

(Rua São José, 644)

Foto: https://flic.kr/p/fh9Qkf

O Cine Broadway, situado a menos de 100 metros da Praça José Bonifácio, foi inaugurado durante a década de 1930, representando um ponto de grande interesse em minha pesquisa, pois durante minha investigação sobre o Cine Bijoux, descobri que este ocupava o mesmo local onde posteriormente foi construído o Broadway. Embora não tenham compartilhado a mesma estrutura física, o Bijoux era uma espécie de barracão, enquanto o Broadway era uma construção mais imponente. Acredita-se que os primeiros proprietários desse cinema tenham demolido o “barracão” do Bijoux/Íris para erguer o edifício que abrigaria o Broadway.

O cinema era frequentado por uma clientela com maior poder aquisitivo, em comparação com o Cine São José, que ficava próximo. Tornou-se comum para os moradores de Piracicaba marcar compromissos antes ou depois das sessões do cinema, utilizando como referência temporal “antes ou depois do Broadway”. Além disso, era costume, após as sessões do Broadway e do São José, os homens solteiros se reunirem nos bancos da Praça José Bonifácio, enquanto as moças solteiras circulavam pela praça, caracterizando o flerte da época. O Cine Broadway foi comprado pelo meu tio entre 1960 e 1970, e operou até o início dos anos 1980. Seu prédio foi transformado em outro cinema, assunto que será abordado posteriormente neste texto

Um adendo: em Piracicaba, devido ao sotaque característico da cidade, a população pronunciava “Broadway” como “bródui”.

Cine Colonial

(R. Benjamin Constant, 730)

Foto: Galeria

O Cine Colonial foi inaugurado no início da década de 1950 e, alguns anos depois, foi adquirido pelo meu tio, Francisco Andia. Este foi o primeiro cinema da região que não estava localizado nas proximidades da Praça José Bonifácio, embora ainda estivesse relativamente próximo, a cerca de 400 metros, situado na Rua Benjamin Constant, que também abrigou outros dois cinemas na mesma época. Apesar de ser um cinema menor e mais modesto, que não se destacava por sua grandiosidade arquitetônica, era frequentado com regularidade pela população. O cinema encerrou suas atividades no início dos anos 1970. Logo após, o local alojou uma pista de patinação com discoteca e, em seguida, uma Igreja. Sua fachada tem sido relativamente preservada, atualmente permanece vazio.

Cine Palácio

(Rua Benjamin Constant, 1113)

Foto: Galeria

O Cine Palácio foi o segundo cinema inaugurado na Rua Benjamin Constant, situado a cerca de 500 metros da Praça José Bonifácio, e rapidamente se consolidou como um dos mais belos cinemas do interior paulista. Surgiu em 1954, pelas mãos dos jovens irmãos Cury (Raja, Michel e Alexandre), que investiram em um empreendimento grandioso, alinhado aos padrões modernos da época.

A inauguração foi marcada pelo sucesso mundial “Lili”, estrelado por Leslie Caron, e o cinema rapidamente tornou-se um ponto de encontro dos piracicabanos, exibindo grandes produções que seguiam as programações das empresas cinematográficas das capitais.

No entanto, a trajetória do Cine Palácio foi breve. No início da década de 1960, o cinema foi vendido ao empresário Francisco Andia,. Sob sua administração, o local passou por uma significativa reforma e foi renomeado, iniciando uma nova fase, cujo detalhamento será explorado mais adiante.

Cine Politeama

(Praça José Bonifácio - R. Praça José Bonifácio, 936)

Foto: https://flic.kr/p/fgUwsP

O Politeama foi estabelecido no início dos anos 1950, nomeado em homenagem ao antigo Polytheama. o “cinema de elite” ficava em frente à Praça José Bonifácio, mais precisamente no terreno adjacente ao antigo Polytheama, que havia sido desativado duas décadas antes da inauguração deste cinema, ao lado do cinema existia a Bomboniére do Passarela, onde era muito comum a compra de balas para as pessoas consumirem enquanto assistiam os filmes. Adquirido por meu tio, Francisco Andia, na década de 1960, o Politeama operou até o início dos anos 80, desfrutando de grande prestígio, pois era reconhecido por oferecer sessões exclusivas para exibir “filmes de arte”. Após encerrar suas atividades, o edifício foi demolido e, atualmente, abriga um estacionamento pertencente ao banco Bradesco.

Adendo: o povo piracicabano habitualmente se refere a filmes menos comerciais como “filmes de arte”.

Cine Paulistinha

(Rua Benjamin Constant, 2795)

O Cine Paulistinha, situado na Rua Benjamin Constant, distante mais de dois quilômetros da Praça José Bonifácio (equivalente à distância dos atuais cinemas de shopping até a praça), iniciou suas atividades na metade dos anos 1950. Tratava-se de um estabelecimento menor, com cerca de 300 assentos, menos da metade da capacidade dos outros cinemas da região. Este cinema rivalizava com os de meu tio, Francisco Andia, que afirma não ter sido afetado, pois eram públicos diferentes que os frequentavam.

Apesar dos esforços em pesquisar sobre o Cine Paulistinha, ainda enfrento dificuldades em obter informações detalhadas. Não possuo fotografias da época de sua operação, disponho apenas de relatos e pequenos recortes de jornais. Esse cinema foi adaptado a partir de um barracão pertencente a dois irmãos proprietários e, após seu encerramento, foi convertido em uma loja e oficina de carros. O ano exato de seu fechamento também não está claro, mas, com base em minha pesquisa, estimo que tenha ocorrido no início dos anos 1990, durante a grande onda de fechamentos de cinemas de rua após a introdução dos cinemas de shopping na cidade.

Cine Rivoli

(Rua Benjamin Constant, 1113)

Foto: Galeria

O Cine Rivoli ocupou o mesmo edifício anteriormente ocupado pelo Cine Palácio, mas recebeu esse nome após uma ampla reforma realizada após a aquisição do cinema por meu tio, na metade de 1960. Ele tornou-se um dos cinemas mais importantes da cidade, com capacidade para mil lugares distribuídos em dois andares. As sessões no Rivoli eram frequentemente marcadas por longas filas que se estendiam ao redor do quarteirão, e a sala frequentemente operava com lotação máxima, conhecido por exibir filmes “melhores”.

Dada a sua importância, o Rivoli foi um dos últimos cinemas de rua a fechar na cidade, que ocorreu na metade da década de 90, por conta da chegada do cinema de shopping, que levou ao declínio dos cinemas de rua em Piracicaba. Atualmente, o prédio mantém sua fachada original e está vazio.

Cine Plaza

(COMURBA - Agora Poupa Tempo)

Foto: https://flic.kr/p/fgwjfH

O Cine Plaza foi um cinema de alto padrão em Piracicaba, com capacidade para mais de 1,1 mil espectadores, localizado sob o maior edifício da cidade, o Comurba. O cinema foi inaugurado nos primeiros anos da década de 1960, em meio a uma celebração festiva que contou com a presença de importantes personalidades locais. Sua estrutura, tamanho e qualidade de imagem e som o equiparavam aos cinemas das grandes capitais. A construção do Cine Plaza foi motivada pelo fechamento do Cine São José e, embora meu tio, Francisco Andia, tenha considerado adquirir o estabelecimento, optou por investir em um cinema que rivalizasse com os das capitais

No entanto, em 1964 ocorreu o desabamento do prédio Comurba, que estava sobre o Cine Plaza. Não havia nenhuma sessão em andamento no momento do incidente, mas todos os funcionários presentes no edifício e no cinema perderam suas vidas, exceto quatro pessoas, entre elas, meu tio e meu avô, que estavam no escritório do cinema e conseguiram escapar ilesos através do duto de ar-condicionado, sobrevivendo à queda do prédio com apenas alguns ferimentos leves. Atualmente, uma parte do local onde antes ficava o prédio e o cinema abriga o Poupatempo da cidade. Segue o trecho da primeira entrevista com o meu tio, onde ele discorre o momento da queda do prédio.

Trecho da entrevista concedida pelo meu Tio (Francisco Andia) em 2021:

Dara: E que sala de cinema você mais frequentava? Tinha alguma sala que você ficava mais, ou você ia bastante em todas?

Tio Chico: No tempo da curta sobrevivência do Plaza, era onde eu mais ficava, né? No dia que caiu o cinema, eu estava lá.

Dara: Você estava lá dentro do cinema?

Tio Chico: Tava. Eu e o seu avô.

Dara: E como é que vocês saíram?

Tio Chico: Pela tubulação de ar-condicionado, que era embaixo da sala de projeção, que era alto, né? Lá no fim tinha um quadrado, assim, e nós saímos por lá. Que o resto tinha destruído tudo.

Dara: Nossa, e como é que foi a sensação de estar em um prédio caindo?

Tio Chico: Eu achei que ia morrer. O barulho foi tanto, a poeira foi tanta, que morreu todo mundo… Morreram 57 pessoas, imagine.

Dara: Sim, nossa… Vocês estavam embaixo, assim, né? Nossa.

Tio Chico: É. Salvaram-se meu pai, eu e um amigo meu que ia viajar no dia seguinte, agora à noite, ele foi lá pra nós combinar que eu ia levar ele em Viracopos.

Cine Tiffany

(Rua São José, 644)

O Cine Tiffany, situado no mesmo edifício que anteriormente abrigava o Cine Broadway, recebeu seu novo nome após uma grande reforma, semelhante ao que ocorreu com o Cine Rivoli. No entanto, o Tiffany não conseguiu manter a mesma popularidade que seu antecessor, o Broadway, e acabou fechando suas portas no início dos anos 90. O declínio da popularidade do cinema tornou-se insustentável após a chegada do cinema de shopping na cidade. Após o fechamento, o prédio do cinema abrigou uma casa de bingo e uma Igreja, mas atualmente encontra-se vazio.

Cine Arte “Grande Otelo”

(Teatro Municipal Dr. Losso Netto)

O Cine Arte foi estabelecido em uma localização distante da Praça José Bonifácio, cerca de um quilômetro e meio, situado atrás do Teatro Municipal Losso Neto, e inaugurado nos primeiros anos da década de 1980. A concepção desse cinema visava oferecer uma opção sem fins lucrativos, dedicada à exibição de “filmes de arte”. Meu tio foi encarregado da administração do cinema e uma comissão foi formada para selecionar os filmes exibidos. Devido a essa abordagem, o cinema provavelmente não teria fechado com a chegada do cinema de shopping, e o próprio cinema coexistiu com o de shopping por aproximadamente cinco anos. No entanto, no final dos anos 90, o cinema encerrou suas atividades devido a uma enchente que afetou o local, tornando-se o último cinema de rua de Piracicaba a fechar.

Paris Filmes

(Av. Limeira, 722 - Areião)

A Paris Filmes marcou a inauguração do primeiro cinema de shopping na cidade. Piracicaba sempre contou com apenas um shopping e, no final dos anos 1980, o cinema foi estabelecido com duas salas. A chegada desse cinema marcou o início do declínio dos cinemas de rua na cidade. No entanto, a Paris Filmes não teve uma vida longa, encerrando suas operações no início dos anos 2000.